Onde foi que eu estava esse tempo todo?
Quando eu nasci, minha mãe resolveu me atribuir um nome que ela achava ser
forte já que ela sempre acreditou que nossos nomes são a nossa primeira
característica importante. Desde aquele dia ela soube que eu precisaria ser
forte.
Anos depois fui apedrejado, e gostar mais das personagens femininas nos filmes
e desenhos se tornou um problema. Foi aí que o meu pai me privou dos meus
bonecos porque uma tia disse que eu precisaria ser um homem. Um homem de sete anos.
Mas quem ordena a execução não acende a fogueira.
Aos oito eu aprendi com a imagem do meu pai sobre o homem que eu não quero ser.
Aos dez anos precisei ser mais forte do que nunca. Forte não
só por mim. Forte por todos que eu amo e por tudo que eu acredito. Precisei ser
forte pra aprender cedo que corações se partem e que o amor nem sempre é tão
confiável assim. Precisei ser forte pra ser um garoto de 17 no corpo de um de
10. Então fui forte. Não que isso tenha sido fácil de se alcançar. Mas fui forte.
Aprendi a cozinhar e a lavar a minha própria roupa. Mas ainda não era o orgulho
da família.
Houve um tempo em que eu me tornei uma pessoa ruim. Não pros
outros. Pra mim. Eu corri o mais rápido que eu pude de quem eu era e me escondi
por baixo de varias facetas e barreiras emocionais. Foi aí que eu já quis
morrer. Deixar de existir. Explodir. Imergir. Eu tentei morrer. Eu quase morri.
Mas eu vivi.
Aos quinze achei que o melhor era ser como eles. Decidi usar
as mesmas roupas que eles; amar do mesmo jeito que eles; agir do mesmo jeito
que eles. Mas como ser alguém que você não está destinado a ser?
Cheguei aos 16 e confesso que o Leminski me salvou algumas dezenas de vezes e
senti que a Tati Bernardi amava como eu amava, era louca e paranóica como eu
era louco e paranóico. Foi aí que a escrita chegou a minha vida. O papel sempre
me parecia mais paciente do que as pessoas. E um texto sempre me pareceu um
lugar seguro e eterno pra eu me abrigar.
Por onde foi que eu andei esse tempo todo?
Quando fiz vinte anos a duvida já tinha se tornado ferimento
e eu precisava estancar o sangramento. E lá estava eu brincando de viver ou
morrer mais uma vez.
É, meus amigos... Você precisa ser corajoso pra bancar o que sente.
No final das contas eu entendi que eu não nasci gay, me
tornei gay. Me tornei. Pois ao nascer, eu era apenas eu. Ao amar, eu era apenas
alguém que amava e sentia o amor crescer sem direção.
Não. Minto! Eu não me tornei, tornaram-me gay. Apontaram, gritaram, bateram e
disseram: é gay. Tornaram-me gay. sigla, bicha, estatística, numero, imoral,
imundo, incorreto; um desperdício.
Aos quase 21 encontrei pessoas que me fazem ver o mundo de uma forma diferente.
Nada de muito fantástico. Eles me deram um lugar confortável pra ficar.
Confesso que eu consigo me alimentar da controvérsia, mas não sei lidar com a
indiferença e só consigo ficar se o lugar for gostosinho e aconchegante. Nesse
lugar que me deram me sinto cada vez mais eu. E hoje eu sei que tudo que sou é
livre.
Hoje, aos 22, eu luto contra algo que eu nem sabia que
existia com tanta força apesar de já ter ouvido falar muito: a minha mente.
Hoje eu luto contra uma amargura infinita e uma tristeza que quanto maior fica
mais cabe em mim. Luto contra pensamentos que você nem imagina quais.
Luto também contra uma sociedade que mata todo dia centenas dos meus e está me
matando aos poucos também. Eles estão nos calando e nos matando por asfixia; lâmpadada;
tiros; garrafas; muros e pontapés; chacinas.
Não luto pra ser aceito porque não acredito que alguém que pise no mesmo solo
que eu tenha o direito de achar que a minha existência é invalida ou inferior. Luto
por respeito e pelo orgulho dos meus iguais.
Hoje eu procuro ser o que nunca foram pra mim. Entregar ao
outro o que me arrancaram a força. Não quero ser exemplo nem uma influencia.
Tudo que eu quero vai além de só abrir os olhos, quero abrir mentes. Eu quero
fazer o bem e ver o bem acontecer. Porque pessoas se sentindo bem só causam
bem.
Demorei pra perceber que a cura não está nos outros, e eu
preciso entender e domar a minha solidão.
Crescer definitivamente não foi fácil. Mas compensou. Essa é a minha vitoria
secreta.
Onde foi mesmo que eu estava esse tempo todo?
Bruno Figueredo