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terça-feira, 20 de março de 2018




Onde foi que eu estava esse tempo todo?

Quando eu nasci, minha mãe resolveu me atribuir um nome que ela achava ser forte já que ela sempre acreditou que nossos nomes são a nossa primeira característica importante. Desde aquele dia ela soube que eu precisaria ser forte.

Anos depois fui apedrejado, e gostar mais das personagens femininas nos filmes e desenhos se tornou um problema. Foi aí que o meu pai me privou dos meus bonecos porque uma tia disse que eu precisaria ser um homem. Um homem de sete anos. Mas quem ordena a execução não acende a fogueira.

Aos oito eu aprendi com a imagem do meu pai sobre o homem que eu não quero ser.

Aos dez anos precisei ser mais forte do que nunca. Forte não só por mim. Forte por todos que eu amo e por tudo que eu acredito. Precisei ser forte pra aprender cedo que corações se partem e que o amor nem sempre é tão confiável assim. Precisei ser forte pra ser um garoto de 17 no corpo de um de 10. Então fui forte. Não que isso tenha sido fácil de se alcançar. Mas fui forte. Aprendi a cozinhar e a lavar a minha própria roupa. Mas ainda não era o orgulho da família.

Houve um tempo em que eu me tornei uma pessoa ruim. Não pros outros. Pra mim. Eu corri o mais rápido que eu pude de quem eu era e me escondi por baixo de varias facetas e barreiras emocionais. Foi aí que eu já quis morrer. Deixar de existir. Explodir. Imergir. Eu tentei morrer. Eu quase morri. Mas eu vivi.

Aos quinze achei que o melhor era ser como eles. Decidi usar as mesmas roupas que eles; amar do mesmo jeito que eles; agir do mesmo jeito que eles. Mas como ser alguém que você não está destinado a ser?

Cheguei aos 16 e confesso que o Leminski me salvou algumas dezenas de vezes e senti que a Tati Bernardi amava como eu amava, era louca e paranóica como eu era louco e paranóico. Foi aí que a escrita chegou a minha vida. O papel sempre me parecia mais paciente do que as pessoas. E um texto sempre me pareceu um lugar seguro e eterno pra eu me abrigar.

Por onde foi que eu andei esse tempo todo?

Quando fiz vinte anos a duvida já tinha se tornado ferimento e eu precisava estancar o sangramento. E lá estava eu brincando de viver ou morrer mais uma vez.
É, meus amigos... Você precisa ser corajoso pra bancar o que sente.
No final das contas eu entendi que eu não nasci gay, me tornei gay. Me tornei. Pois ao nascer, eu era apenas eu. Ao amar, eu era apenas alguém que amava e sentia o amor crescer sem direção.
Não. Minto! Eu não me tornei, tornaram-me gay. Apontaram, gritaram, bateram e disseram: é gay. Tornaram-me gay. sigla, bicha, estatística, numero, imoral, imundo, incorreto; um desperdício.

Aos quase 21 encontrei pessoas que me fazem ver o mundo de uma forma diferente. Nada de muito fantástico. Eles me deram um lugar confortável pra ficar. Confesso que eu consigo me alimentar da controvérsia, mas não sei lidar com a indiferença e só consigo ficar se o lugar for gostosinho e aconchegante. Nesse lugar que me deram me sinto cada vez mais eu. E hoje eu sei que tudo que sou é livre.

Hoje, aos 22, eu luto contra algo que eu nem sabia que existia com tanta força apesar de já ter ouvido falar muito: a minha mente.               
Hoje eu luto contra uma amargura infinita e uma tristeza que quanto maior fica mais cabe em mim. Luto contra pensamentos que você nem imagina quais. 
Luto também contra uma sociedade que mata todo dia centenas dos meus e está me matando aos poucos também. Eles estão nos calando e nos matando por asfixia; lâmpadada; tiros; garrafas; muros e pontapés; chacinas.  
Não luto pra ser aceito porque não acredito que alguém que pise no mesmo solo que eu tenha o direito de achar que a minha existência é invalida ou inferior. Luto por respeito e pelo orgulho dos meus iguais.

Hoje eu procuro ser o que nunca foram pra mim. Entregar ao outro o que me arrancaram a força. Não quero ser exemplo nem uma influencia. Tudo que eu quero vai além de só abrir os olhos, quero abrir mentes. Eu quero fazer o bem e ver o bem acontecer. Porque pessoas se sentindo bem só causam bem.

Demorei pra perceber que a cura não está nos outros, e eu preciso entender e domar a minha solidão.

Crescer definitivamente não foi fácil.  Mas compensou. Essa é a minha vitoria secreta.

Onde foi mesmo que eu estava esse tempo todo?

Bruno Figueredo

quinta-feira, 15 de março de 2018



 Nos encontramos naquele mesmo barzinho que eu amo ficar. Na verdade acho que nos trombamos lá (mas eu gosto de pensar que nos encontramos, vai que você passou na rua e me viu lá e parou pra me ver). O bar que era inteiramente meu, agora passou a ser nosso. Completamente longe da minha casa e pertinho da sua. A gente não saia de lá quando nós éramos nós, lembra? Você me olhou e só sorriu. Corri pro meu caderninho de anotações que você tinha acabado de decidir que a gente havia passado a ser apenas bons conhecidos (comecei a inventar que você estava tomando decisões porque sentia que quando nós éramos nós só eu ficava tomando as decisões). Aproveitei pra tomar mais um gole de cerveja e sorri de volta. Voltei a ficar encarando o computador por que precisava estar preparado pra quando eu começasse a vomitar palavras sobre você sobre os teclados do notebook.

Engraçado que de alguma forma a gente sempre estava ali. Depois das risadas, do sexo, dos porres, das brigas. Sempre estávamos ali. Em silencio, desviando um olhar e outro ou gritando amor ou outras coisas que prefiro não lembrar.

Seus sapatos eram novos. Penso em quem te ajudou a escolher. Defino que quem ajudou tem um bom gosto. Mas não tão bom quanto o meu. Dou risada sozinho pensando que você precisa de mim até pra escolher os sapatos. Volto a pensar que alguém te ajudou a escolher e talvez tenha entendido que você não precisa mais de mim.             

Senti o seu perfume me rodear. Péssima ideia a minha. Comprei o perfume mais popular da estação e todo mundo tava usando o mesmo perfume me fazendo andar assustado nas ruas pensando que você estava sempre por perto. Mas as vezes era só o cara do panfleto, o moço com a maleta misteriosa ou o gerente do banco. A cidade cheirava você, mas você nunca estava por perto. Erro meu ou imprudência sua?

Desisto de fingir que não quero falar com você e aproveito a sua distração com os quadros novos da decoração e cito um verso do Leminski justamente quando ele olha pro quadro com o texto do velhote de bigode. Você ri e diz que justamente havia pensado em mim quando leu aquilo. Minhas bochechas pressionaram meus olhos fazendo com que eles ficassem fechados se escondendo por de trás do meu sorriso. Vejo você me encarando e tenho certeza que está me encarando e comparando a minha pele com um pêssego como você sempre fazia quando eu tinha uma crise de risos. Pele alaranjada e o rosto corado com tons de vermelho. Eu tinha certeza por que eu te reconheceria em qualquer lugar. Mesmo no escuro eu reconheceria o seu rosto quadrado e o seu cabelo macio. Reconheceria também o formato do seu nariz apontando o caminho que eu deveria seguir. Reconheceria as suas pintas que formavam novas constelações que diziam exatamente como você é e como você iria reagir a qualquer movimento eu. Eu te reconheceria mesmo se ficássemos parados por cem anos até enrijecer. Eu te reconheceria só com a ponta da minha língua tocando a sua porque a gente causa erupções e o meu nome soa como licor na sua boca.

Você quase diz que sente a minha falta, mas não diz. Mas eu leio nos seus olhos. Não quero que você diga. Pago a conta e arrumo todas as coisas porque você decidiu que seriamos bons conhecidos, não é? Digo “até mais” (porque eu sei que você voltaria ali e sei que eu também voltaria) e te privo do meu abraço de mais de cinco segundos.

Você achava que sabia escolher, então foi lá e me colheu do galho mais alto. Mas não soube me saborear.

Bruno Figueredo


             
A gente uma hora vai acabar. Mas fica só mais um pouquinho. Faz bico quando eu tento te contrariar. Faz uma cara séria pra tentar me convencer. Ei, para aí. Posso te fotografar? Esse fecho de luz combinou com o formato quadrado do seu rosto e com essa sua sobrancelha marcada que diz tanto quanto o seu olhar. Fica mais um pouco. Deixa eu te ver tomar banho. Veste a minha camiseta e se joga na cama toda bagunçada e fica lá parecendo uma pintura renascentista.

A gente vai acabar, eu sei. Mas antes reclama do frio e se esconde debaixo de um monte de roupa ou arranca toda essa roupa e me convida pra nadar pelado na piscina. Vai lá e canta uma musica em inglês só pra eu ficar admirando a sua beleza e me esquecer de que você nem sabe o que ta cantando. Sorri mais uma vez enquanto canta? Só pra eu tirar mais uma foto pra guardar depois que esse “a gente” acabar. 

Antes da gente terminar, me diz como as coisas parecem lindas quando estão comigo e depois conta como você passou a gostar mais de poesias e de plantas depois de ter me conhecido. Vai, recita pra mim aquele meu poema que você adora... Eu quero te ouvir gaguejar na parte de maior intensidade e quero ficar olhando os seus olhos lacrimejados quando o poema acabar.

A gente vai acabar se afastando, de uma forma ou de outra. Mas antes disso, cala essa boca e me dá um ultimo beijo. Mas precisa ser escondido pra ser o nosso ultimo segredo também.

A gente vai se desentender e não vai entender o porquê, mas antes disso vem e me faz chorar tudo o que eu preciso chorar. Esfrega a mão no meu rosto como se estivesse lutando contra as minhas lagrimas e diz que não vai ser tão fácil isso tudo passar desse lado aí também.

Nós vamos nos afastar de uma forma desastrosa e talvez depois nem vamos mais querer olhar na cara um do outro, mas antes disso vem aqui pra ser o amor da minha vida; vamos ter três filhos; uma casa com um jardim; e uns quatro cachorros adotados.

Nós vamos acabar e talvez nos odiar, mas antes disso, faz uma pergunta boba e espera a minha resposta sarcástica. Depois ri. Ri como se nunca mais fosse conseguir parar de rir. Agora para aí. Deixa eu te fotografar? Só pra ser mais uma lembrança, pra quando a gente acabar e passar a se odiar.

Bruno Figueredo




domingo, 4 de março de 2018





                 Não consigo mais te olhar como os olhos de quem ama.    
             KABOOM

          Essa frase foi como um trovão rasgando o céu. Ou será que era mais como uma bomba nuclear em meio ao fim de uma guerra fria dando inicio ao caos?   

            É, eu não consigo mais te olhar com os mesmos olhos desde que você deixou que outra pessoa bagunçasse a gente. 

         Ninguém é obrigado a ficar, mas também ninguém tem o direito de te balançar do meu galho e te fazer cair de mim sem antes estar totalmente maduro.   
       Você disse tchau, como quem diz oi. Como quem tem facilidade em ir. Como quem com ferro fere e com ferro nunca será ferido. E eu corri pro mais longe que eu pude porque há dias que doem mais do que outros.  

             Onde mesmo foi que eu fiquei dentro de você a não ser nas partes que lhe escorreram entre as pernas?     

          Você fez o amor doer e me sinto mal quando digo isso porque parece cruel. Mas ninguém me avisou desse risco e tolo que fui entreguei tudo o que eu tinha pra você e nem pensei em me poupar do desgaste de ter que recolher tudo depois.    
          Você entrou naquele trem e poderia me levar facilmente, mas optou por me deixar aqui sangrando.        

            Enquanto eu estava com meus dois dedos dentro de você, cê não hesitou em cravar seus cinco dentro da minha ferida. Onde mesmo foi que eu fiquei dentro de você a não ser nas partes que lhe escorreram entre as pernas?          

            Enquanto eu planejava uma vida com você, parece que você planejava um jeito de me deixar.

            To te escrevendo isso porque você precisa saber que não se bagunça o mundo de alguém assim e depois sai correndo como se tivesse sendo uma criança bagunceira que aperta a campainha da vizinha e desaparece na rua escura.   

            É, eu precisei ser gente grande pra saber lidar com isso e até aprendi que os outros são só os outros e que pessoas possuem felicidades individuais as minhas e por mais que tudo o que eu queria era que a sua felicidade fosse estar comigo, precisei aceitar ser contrariado. E meu ego não podia me derrubar. Não dessa vez porque certamente eu não conseguiria me levantar. 

         Aprendi sobre o amor genuíno. “Eu te amo tanto mesmo estando longe de mim. Te amo tanto e por isso quero que você seja feliz”.               

            E a minha conclusão de tudo isso é que a vida não para pra ninguém se recuperar de uma queda, e da mesma forma o tempo não tira de você um amor verdadeiro, você apenas esquece ele em um canto porque precisa se preocupar outras prioridades que surgem para você lidar.         

         Não estou te esperando me puxar pelo braço e me pede perdão nas ruas quentes de São Paulo ou na escuridão do seu novo apartamento mal iluminado. Não estou te esperando voltar e não pretendo ser mais a sua prioridade. Você não está mais nos meus planos, mas carimbou seu rastro na minha terra mesmo quando deveria ter se enraizado.

             Acho que a ferida que você abriu, já fechou.     

             Mas em dias chuvosos, quando me lembro da nossa historia ou quando volto naquela mesma estação, ela sempre arde.     




Bruno Figueredo