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quinta-feira, 15 de março de 2018

PÊSSEGO



 Nos encontramos naquele mesmo barzinho que eu amo ficar. Na verdade acho que nos trombamos lá (mas eu gosto de pensar que nos encontramos, vai que você passou na rua e me viu lá e parou pra me ver). O bar que era inteiramente meu, agora passou a ser nosso. Completamente longe da minha casa e pertinho da sua. A gente não saia de lá quando nós éramos nós, lembra? Você me olhou e só sorriu. Corri pro meu caderninho de anotações que você tinha acabado de decidir que a gente havia passado a ser apenas bons conhecidos (comecei a inventar que você estava tomando decisões porque sentia que quando nós éramos nós só eu ficava tomando as decisões). Aproveitei pra tomar mais um gole de cerveja e sorri de volta. Voltei a ficar encarando o computador por que precisava estar preparado pra quando eu começasse a vomitar palavras sobre você sobre os teclados do notebook.

Engraçado que de alguma forma a gente sempre estava ali. Depois das risadas, do sexo, dos porres, das brigas. Sempre estávamos ali. Em silencio, desviando um olhar e outro ou gritando amor ou outras coisas que prefiro não lembrar.

Seus sapatos eram novos. Penso em quem te ajudou a escolher. Defino que quem ajudou tem um bom gosto. Mas não tão bom quanto o meu. Dou risada sozinho pensando que você precisa de mim até pra escolher os sapatos. Volto a pensar que alguém te ajudou a escolher e talvez tenha entendido que você não precisa mais de mim.             

Senti o seu perfume me rodear. Péssima ideia a minha. Comprei o perfume mais popular da estação e todo mundo tava usando o mesmo perfume me fazendo andar assustado nas ruas pensando que você estava sempre por perto. Mas as vezes era só o cara do panfleto, o moço com a maleta misteriosa ou o gerente do banco. A cidade cheirava você, mas você nunca estava por perto. Erro meu ou imprudência sua?

Desisto de fingir que não quero falar com você e aproveito a sua distração com os quadros novos da decoração e cito um verso do Leminski justamente quando ele olha pro quadro com o texto do velhote de bigode. Você ri e diz que justamente havia pensado em mim quando leu aquilo. Minhas bochechas pressionaram meus olhos fazendo com que eles ficassem fechados se escondendo por de trás do meu sorriso. Vejo você me encarando e tenho certeza que está me encarando e comparando a minha pele com um pêssego como você sempre fazia quando eu tinha uma crise de risos. Pele alaranjada e o rosto corado com tons de vermelho. Eu tinha certeza por que eu te reconheceria em qualquer lugar. Mesmo no escuro eu reconheceria o seu rosto quadrado e o seu cabelo macio. Reconheceria também o formato do seu nariz apontando o caminho que eu deveria seguir. Reconheceria as suas pintas que formavam novas constelações que diziam exatamente como você é e como você iria reagir a qualquer movimento eu. Eu te reconheceria mesmo se ficássemos parados por cem anos até enrijecer. Eu te reconheceria só com a ponta da minha língua tocando a sua porque a gente causa erupções e o meu nome soa como licor na sua boca.

Você quase diz que sente a minha falta, mas não diz. Mas eu leio nos seus olhos. Não quero que você diga. Pago a conta e arrumo todas as coisas porque você decidiu que seriamos bons conhecidos, não é? Digo “até mais” (porque eu sei que você voltaria ali e sei que eu também voltaria) e te privo do meu abraço de mais de cinco segundos.

Você achava que sabia escolher, então foi lá e me colheu do galho mais alto. Mas não soube me saborear.

Bruno Figueredo

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